quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Aluízio e Jônia

Aluízio observava-a indo embora. Sabia que ela não mais voltaria para os seus braços ou abraços. Tudo tinha caído por terra ao falarem o último adeus. Não que tivesse sido um adeus... Ambos insistiram em não dizer nada; concordaram que tudo tinham dito um para o outro. Todas as felicidades e tristezas tinham se resumido a uma derradeira conversa. E ele, inerte, sem saber o que fazer. Congelado como uma estátua.

Enquanto ela se afastava, observava aquele corpo que tinha lhe dado tanto prazer. A pele branca, contrastando eternamente com o seu cabelo cor de petróleo, a um passo a mais longe dele. O seu coração, porém, nem sabia mais onde ficava: a dor era tão que atravessava-lhe o peito como uma lança de justa medieval. O cavaleiro estava caído e não havia um lenço de seda de uma dama da nobreza para acudir-lhe. Sentiu-se, como todos, com um imenso buraco no peito.

Tentou, ainda, de maneira lânguida levantar o seu braço para impedir que ela partisse. Lembrou que surgiu uma tentativa de falar algo, para que ela parasse. De nada adiantou. Ao abrir seus lábios, suas pregas vocais não o bedeciam. Sentia-se como sua ave de casa: após acasalar, somente ficara com aquela companheira a vida inteira. Jônia escapulia pelas suas mãos como a areia do tempo, entre suas lágrimas e angústia.

Não tinha certeza do que tinha acontecido, ainda. Sentou-se no chão, escorrendo pela parede de seu prédio. Tudo tinha perdido a cor, o cheiro do bueiro que sempre o atormentava era nada. Sofria de amor. Aliás, sofria pela perda do seu amor. Tinha a certeza de que a saudade o acompanharia o resto da vida e que aquela mulher fascinante a quem ele dedicar tanto amor...

Procurou, contudo, angariar forças para passar pelo prolongado inverno. Teria que viver pequeno de agora em diante: um segundo sem ela, um minuto, uma hora... Até que, de uma maneira mágica, ele pudesse ter um micro-segundo de felicidade de volta. Sabia que isto seria raro e que poderia demorar alguns éons para que ocorresse, mas toda a sua alternativa tinha sido já dada. Não poderia optar por algo que Jônia não mais desejasse.

Dias passaram, com a lentidão de uma senhora ao estacionar o carro no meio da rua. Nosso pequeno herói já havia conseguido remendar alguns pedaços de seu órgão circulatório pulsante. As cores começavam a voltar, assim como os sabores também: riu-se quando percebeu comer o seu sanduíche preferido com mostarda e ervas. Ele colocava tanto condimento que gerava um espasmo muscular nas suas bochechas, fazendo-o sorrir. Como uma criança, reaprendia aos poucos, a experimentar cada sensação.

Ao sair da lanchonete, ainda extasiado com aquela sensação quente no seu peito, esbarrou em uma senhorita. Ao iniciar o pedido de desculpas, percebeu que era Jônia. Ela estava com olheiras profundas, como quem vivia constantemente perturbada por um fantasma: ele tinha um nome e era o amor de Aluízio. Ela, ao olhar em seus olhos, percebeu o que tinha feito com o que de mais precioso possuía aquele casal - a estupenda capacidade de rirem de tudo juntos, de passarem por problemas tenebrosos de uma maneira suave.

Tudo ao redor parecia correr mais lento, como se o próprio Cronos estivesse parando o tempo. Houve, naquele momento, uma profusão de sentimentos. Amor, raiva, ódio, saudade, amizade... Tudo. Os extremos se cruzavam tão rápido que seria imperceptível para qualquer pessoa sentir isto; menos os envolvidos. Aquele estranho encontro em um local não-determinado parecia simplesmente uma armaldilha criada pelo Cupido.

Movimentaram-se, então, pelo salão até sentarem em uma mesa. Ela pediu um suco e ele fez o mesmo. Dialogaram durante uma eternidade. Não sabiam exatamente o que poderia surgir dali. A mágoa ainda era grande, possivelmente maior ainda pela saudade que sentiam um do outro. Ao tocar a mão de Jônia, de maneira despretenciosa, Aluízio sentiu amor de novo. Ao entrelaçarem seus dedos, com os pulsos sobre a mesa, olharam-se. Ainda havia aquela chama do amor que sentiam um pelo outro.

Um zunido, porém, atrapalhou aquele momento. Aluízio percebeu-se de que não se tratava de um zunir e sim de um soar. Era como se fosse um sino que tomava proporções cada vez maiores. Ele tentava fazer com que parasse, não conseguia mais prestar atenção nas sensações boas que estava vivendo. A voz de sua amada começava a desaparecer, subjugada por aquele horrível opressor sonoro. Ele gritou, em uma vã tentativa de fazer com que parasse.

Acordou. Era apenas o seu maldito despertador. Jogou-o contra a parede com uma violência que o assustou. Tudo não havia passado de um sonho bom. Sua realidade, dura e estéril, estava ali para ser novamente encarada. Após tomar uma ducha fria e se arrumar para o trabalho, recolhia o presente de sua amada - ele sempre "enrolava" demais na cama, dizia ela. Ao pegar cada pedaço, sentiu que estava ali também recolhendo o resto do que havia sobrado de seus sentimentos. Iria dar uma nova vida a si mesmo, a partir daquele momento.

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