segunda-feira, 26 de julho de 2010

Jocimar e Antonieta

Jocemir era um tímido poeta. Gostava de ser poeta porque via beleza nas pequenas coisas do mundo, embora sofresse com isto. Vivia uma montanha-russa emocional, mas tinha se acostumado a ela durante todos estes anos. Após algumas desilusões amorosas, foi-se enamorar por Antonieta, uma mulher linda e exuberante. Achava que nunca conseguiria alcançar as expectativas dela, por isto preferiu deixar toda a relação que tinha com ela relegada ao amor platônico.

Encontravam-se, sempre às tardes e conversavam em um café próximo ao trabalho dela. Ela o tinha procurado uma vez, por intermédio de uma amiga, para que pudesse ajudá-la a atravessar uma relação difícil pela qual estava passando. Ele, sempre solícito, foi ao encontro dela. Nos dias de semana, sempre estavam lá para conversar um com o outro. Por vezes, quando não havia assunto, inventavam algum. A sincronicidade era aparente e, aos poucos, foi-se tornando intensa.

Até que, depois de algumas semanas, meses transformaram a relação deles em algo puro e bonito. Não que Jocemir fosse dar um passo à frente, longe disto: mantinha-se distante. Contentava-se com o toque dela, nas vezes em que eventualmente esbarravam um no outro, na mesa. Antonieta, por sua vez, achava interessante aquela figura. Fascinava-a ver como tratava o ser humano com uma candura e cuidado ímpares. Até que, um dia de segunda-feira, ela veio com uma novidade.

Ela iria fazer um treinamento para poder assumir uma função de chefia. Ele alegrou-se e muito com a idéia. Mas, quando ela relatou que ficaria alguns meses fora, ele simplesmente não conseguiu esconder a tristeza. Quando ela perguntou o que tinha acontecido, ele afirmou que nada havia ocorrido, ele somente estava feliz ao ver que ela iria voar mais alto dentro da empresa. Falou que todo bônus exigiria um ônus e que ela deveria entender isto como uma forma de cada vez ir mais longe.

Ao final da conversa, ele esperou-a sair para chorar. Baixinho, como costumava fazer. Desejou nunca a ter conhecido por ser covarde demais para tomar a atitude que deveria tomar. Resignou-se; de nada adiantaria agora. Ela estava indo embora e, provavelmente, iria conhecer um homem não melhor do que ele, mas pelo menos que fosse mais firme em suas decisões. Melancólico, foi para casa. Tomou uma longa ducha quente. Sentou-se, no chão, sentindo o frio dos azulejos constratando com a água.

Ao término de quase uma hora, saiu de lá. Resolveu, então, tomar coragem para fazer algo. Riu de si mesmo e lembrou-se de um texto que escrevera há algum tempo: em resumo, falava do amor de um homem por uma mulher que só se concretizou quando ele teve a certeza de que poderia perdê-la. Balançou a cabeça, tentando apagar aquela ironia latente e concentrar-se na sua atividade. Iria tentar demonstrar o seu afeto por ela, mesmo que fosse tarde demais. Do seu jeito, arriscaria.

No dia seguinte, Antonieta o esperava no café. Chovia um pouco, e ela pediu um café antes dele chegar. Ao entregar o café, a garçonete entregou-lhe um bonito envelope. Ela estranhou. Abriu-o. Estava escrito assim:

"Carta a um amor não-dito

Cara Antonieta,

Sei que nunca disse o quanto você é importante para mim. Uso tão bem as palavras nos meus textos, mas lá elas sempre estarão seguras, nunca machucarão de onde elas são concatenadas. Mas com as pessoas é sempre muito difícil para mim. Não porque não as amo; creio que é porque as amo demais. Na maioria da vez, um amor fraterno. Destarte, devo avisar-te: não é somente este amor que cultivo por ti no âmago do meu ser.

Dos meus lugares mais recônditos, vibro cada vez que a vejo. Não desejo perder-te nunca em minha vida, acredito que seja esta a razão pela qual nunca expressei tudo o que sinto por ti. Agora, diante desta anunciada separação, sinto-me vazio. Parece-me que puxaram o tapete de meus pés. Perdoe-me o meu sentimentalismo, mas tento ser o mais objetivo possível com sentimentos - tento ser, mas não consigo. Vê minha dificuldade?

Vou dar lugar ao azo e fazer disto o que tenho a intenção: eu te amo. Amo-te tanto e de maneira tão grande que sua simples ausência me faz perder os sentidos. Tudo aparenta agora ser cinza e sem graça, nem mais o que me fazia rir me faz... A única exceção é quando lembro de ti. Nossas horas juntos - permita-me usar nossas - sempre tão repletas de infindos sentimentos que nem ao mesmo sei classificar. Tudo o que tenho escrito e pensado nestes últimos meses é único e exclusivamente teu; tens sido minha musa inspiradora, mesmo sem saberes.

Nada disto importa agora: estás partindo. Saibas que sempre terá o meu porto seguro na tua volta, poderás recostar no meu ombro e contarás comigo nas horas mais obscuras dos dias mais tristes. Quero, contudo, ressalvar a possibilidade que contes comigo também para os dias felizes - mas são nos tristes que contamos em quem mais confiamos, não? Serei tudo isto para você hoje e sempre, desde que possa entender que ver-te hoje seria matar-me um pouco. Perdoe-me a covardia.

Do seu,

Amor."

À medida em que lia a carta, Antonieta emocionava-se a cada linha. De parágrafo em parágrafo, sentia-se querida como nunca por alguém por quem sempre teve estima, mas também não quis dar um passoa adiante. Identificou-se com a covardia e alegrou-se com a proposta. Aquele homem maravilhoso e único, que sempre a tratara como nunca fora antes em toda a sua vida, estava abrindo o seu coração para ela. Ela só poderia tomar uma atitude.

Enquanto Jocimar tentava distrair-se com a televisão em casa, sentiu fome. Pediu uma pizza. Esperava-a chegar enquanto reclamava com o operador da tevê à cabo pela ineficiência do serviço prestado. Bateu o telefone na cara dele. Tanto a fome quanto a sua angústia tinham-no feito maltratar um ser humano. Não gostava disto e nem estava acostumado. Pegou o telefone para discar de novo, mas escutou a campainha. Alegrou-se: pelo menos aquela penúria iria passar.

Ao abrir a porta, viu Antonieta. Linda. Parecia um raio de sol, em um dia nublado como aquele. Em um gesto tímido, convidou-a para entrar. Ao fechar a porta, virou-se e observou que ela estava na sua frente. Reparou que seus lábios tremiam um pouco: estava molhada por causa da chuva. Imaginou que ela tinha andado cerca de dez quadras para chegar à sua residência. Disse para ela que pegaria uma toalha, mas ela segurou a sua mão.

Olhou-a fundo nos seus olhos negros e dali em diante, amaram-se. Todas as dores e desesperanças, todo amor retraído por aqueles dois fluiu numa intensidade tamanha que amaram-se por horas a finco. A mera menção de parar por uma das partes apenas fazia a outra incentivar e encher de mais desejo algo que já não tinha uma medida. Ao final, exaustos, riram-se timidamente: ambos, do seu jeito, deram um passo a frente rumo à felicidade de ambos. A ironia era a que os obstáculos eram transponíveis, embora doridos. Mas, após isto, tudo valeria à pena.

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