terça-feira, 6 de julho de 2010

Joanice

Joanice, ou Jô como preferia ser chamada, estava passando por um momento muit difícil na sua vida. Tinha percebido que havia realizado escolhas na sua vida que estavam lhe trazendo muita dor. Sua profissão estava de pernas para o ar e a sua vida pessoal não poderia ser chamada muito bem de vida: não tinha nenhuma. Afundava-se em trabalho para poder esquecer o Cavalo de Tróia que tinha aceitado em sua vida no passado.

Chorava, vez por outra, mas somente por dentro. Desde que tinha ocorrido a abertura do Cavalo e sua cidade havia sido dominada, nem na hora que encerrou o relacionamento com o seu ex-marido. Ele havia contrariado todos os juramentos feitos diante do celebrante: "Amar e respeitar" - todos os outros ela suportaria. O que não suportou foi a traição velada que ele realizara: deixou-a de lado, aos poucos, como se fosse apenas um cd do qual gostamos muito e só vemos sua capa, nunca o tocamos.

Quando sua vida parecia se normalizar, com o trabalho tomando conta de sua vida, sua empresa decidiu lhe dar férias. Tinha duas acumuladas e não desejava pagar por elas. No primeiro dia, ficou dentro de casa, de um lado para o outro. Ligou a tevê, o rádio, tentava ler um livro e cozinhar: tudo ao mesmo tempo. Não queria ouvir a voz de sua própria consciência.

Alguns dias depois, encontrava-se triste. Ela lembra muito bem daquela quinta-feira de manhã. Era fria, com o sol se escondendo atrás das nuvens. Ela caminhava pela rua, procurando um bistrô para comer, quando parou em frente a uma loja de roupas. Olhava, distraidamente os sapatos, quando deu de frente para si mesma. Olhou dentro de seus olhos e, por incrível que pareça, lágrimas rolavam por sua face.

Envergonhada por isto, tentava se conter, sem sucesso. Buscou um templo religioso, qualquer que fosse, para poder ter um pouco de privacidade. Achou um. Sentou em seu banco, sem em momento algum, deixar de escorrer lágrimas por sua face. Estava triste, só não sabia exatamente com o quê. Tentava se recompor, numa vã possibilidade de re-enterrar todo o seu passado. O Inconsciente, porém, é caprichoso: nos avisa através de pequenos sintomas no corpo, tal como atopicidade ou gripe que algo não anda bem. Quando deixamos estes sintomas de lado, outros surgem - até o momento da Revelação.

Flashes passavam pela sua cabeça e ela não conseguia apertar o botão de pausa, para que pudesse lembrar das cenas. Ficou assim por, ao menos, uma hora. Após estar exausta de tanto chorar, algo aconteceu. Não como nas novelas ou em livros, com cores e formas ou até em filmes com cenas marcantes, luzes impressionantes... Ela se sentiu tocada por algo maior do que ela mesma, como se tivesse sido levada para uma montanha e visto a paisagem do seu passado.

Com isto, aos poucos, foi conseguindo obter o controle de sua respiração de novo. Aos poucos, foi observando todos as mazelas que ela própria tinha deixado acontecer na sua vida. Ela ia, de pouco em pouco, separando o joio do trigo do passado. Percebeu que ela própria tinha feito tudo, até mais do que o necessário, para poder ter salvo o seu casamento. Balançou a cabeça, como que se estivesse afastando de sua própria cabeça de que a culpa seria exclusivamente sua.

Deu um sorriso de canto de boca e movimentou a cabeça, instintivamente, para cima. Abriu os olhos aos poucos e sentiu ainda mais paz no seu peito. E um pensamento veio em sua cabeça, de uma maneira repentina, mas concatenado: "Meu Deus, obrigada por todas as oportunidades que me deu para aprender. Eu me perdôo por tudo o que deixei que me causassem, mas a partir de agora, desejo caminhar com esta paz que eu sinto. Desejo mudar tudo, de agora em diante, passo-a-passo. E assim vou continuar porque sei que toda a dor para mudar, será compensada com o amor por mim mesma e, assim, poderei me abrir para o amor de outra pessoa."

Ficou ainda mais um tempo saboreando aquele doce gosto de satisfação em sua boca, aproveitou para limpar o rosto. Pegou seu espelho de bolsa e olhou-se, feliz. Passou o batom e sentiu-se mais viva, como se tivesse deixado uma bola de aço para trás. Ela libertou-se de sua própria prisão que havia construído para não se perceber como a mulher fascinante, inteligente, bem-humorada e bonita que era. Sentiu-se ainda mais bonita com tudo aquilo. Resolveu sair de lá e aproveitar o dia, como um pássaro que acabado de dar seu primeiro vôo para fora do ninho.

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