segunda-feira, 14 de junho de 2010

Arinaldo e Brendha

Arinaldo era um homem de meia-idade que não havia crescido. Ele tinha congelado seus sentimentos na sua infância e parte do início da sua adolescência. Possuía aquele olhar ingênuo e um coração doce. Procurava sempre ser gentil com todos que encontrava e buscava ajudar as pessoas. Tirava do que possuía, por muitas vezes, para poder doar.


Morava em um humilde apartamento, com muitos livros. Na verdade, o apartamento de dois quartos tinha um totalmente ocupado por livros. Ele gostava muito da leitura. Passava grande parte dos seus dias lendo e observando as pessoas. Ganhava seu dinheiro escrevendo sobre as pessoas e sobre ele próprio, sempre se disfarçando em um personagem ou outro.

Todas as garotas do colégio que nunca lhe deram bola se transformavam em suas musas inspiradoras. Seus contos eram matizados por uma tristeza sincera e uma incapacidade de suas personagens mudarem seus comportamentos em relações ao cotidiano. Sempre que se encontravam diante de uma indecisão, suas personagens resiganavam-se a sua própria mediocridade e se recolhiam nos mais recôndito lugar de suas almas.

Um dia, meio que por acaso, Arinaldo sentiu-se em um de seus contos. Encontrou uma das meninas pela qual era apaixonado na adolescência, Brendha, em um restaurante chinês no qual almoçava todas as terças. Demorou aproximadamente um mês para que pudesse trocar uma única palavra com ela, tudo isto porque ela se aproximou e esbarrou nele. Ele simplesmente verbalizou:

-"Desculpe." - Deu de ombros e quando estava indo embora, ouviu uma voz.

-"Arinaldo?" - Disse ela, com um sorriso nos lábios - "Há quanto tempo que não nos vemos. Como você está?"

Ele reparou que ela em nada tinha mudado. Possuía a mesma pele branca, algumas marcas de espinha na pele e seus atípicos olhos negros. Conversaram durante horas sobre amenidades, coisas do colégio e até do seu cotidiano. Ela era viúva, agora e ele nunca havia se casado; na verdade, nunca havia chegado perto de ter um relacionamento duradouro no qual ele não precisasse pagar para ter companhia. Trocaram telefones.

Ele, então, ao chegar no seu apartamento, escreveu durante horas. Seus dedos doíam a cada tecla que digitava no seu computador. Estavam vermelhos, doridos, mas mesmo assim ele prosseguiu. Chegou a escrever mais de cinquenta páginas naquele dia. Caiu exausto. No dia seguinte, não teve coragem de ligar para Brendha. Continuou escrevendo durante quatro dias. Enviou para o seu editor um romance lindo, mas este era diferente dos demais contos e romances. Este tinha um final feliz.

Estava resignado, como todos os seus personagens. Até o do seu recente romance tinha sido assim: a sua amada platônica teve que tomar a iniciativa. Lembrou disto enquanto estava deitado no seu sofá da sala. Escutou o seu celular tocou e se dirigiu até ele. Viu que era o número de Brendha. Segurou o celular na mão, observou e não atendeu. Ficou feliz de tê-la imortalizado no seu romance.

Alguns meses se passaram enquanto ele se dirigia para a sua noite de autógrafos. Odiava aquilo porque odiava intimidade com as pessoas. Preferia as observar de longe, de onde pudessem quase ser controladas com suas percepções e suas técnicas psicológicas defensivas. Naquela noite, porém, só o vinho salvaria sua já patética insanidade. Decidiu autografar todos os livros que lhe fossem enfiados goelas abaixo.

Um dos livros, porém, chamou-lhe atenção. Não tinha a capa de sua editora e sim uma capa personalizada, com uma foto sua e seu nome. Olhou para a mão que lhe tinha entregue. Era uma mão feminina, unhas bem feitas e tonalizadas com a cor violeta. Continuou seguindo e observou uma pulseira de ouro com pedras com a cor parecidas as das unhas. Ao continuar o caminho daquele alvo braço, encontrou o rosto de Brendha.

Ele, desnorteado, levantou-se e foi para fora da livraria. Começara a precipitar a chuva. Ele se sentia desolado e inerte por sempre ser daquele jeito. Iria voltar para dentro para tomar a atitude que poderia mudar a sua vida. Parou diante da porta e virou de costas. A chuva aumentou. Encostou-se no poste da frente, voltando sua face para cima, para apreciar cada gotícula de sua incapacidade. Fechou os seus olhos.

Sentiu um toque na sua face, acarinhando-o. Era Brendha. Olhou-o bem profundamente em suas janelas da alma e deu-lhe um beijo na face. Ele sorriu, tirando o rosto, quase como se não merecesse o beijo. Ela o acarinhou de novo. Desta vez, ele conseguiu reagir a sua baixa-estima. Ele, agora, foi de encontro aos lábios dela, tocando-os com os seus. Abraçou-a e deixou uma lágrima escorrer pelo seu rosto. Ele tinha conseguido mudar, como os seus personagens. Graças a uma iniciativa acolhedora de uma mulher pela qual sempre teve sentimentos verdadeiros.

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