sábado, 1 de maio de 2010

Um conto grego

Sua mãe deu a ele o nome de Ulisses porque gostaria que ele fosse mais combativo na vida do que ela tinha sido. Tinha lido que era um grande herói grego e gostaria que seu filho fosse o mesmo. Ulisses, todavia, escolheu ser uma pessoa serena e pacífica, porém justa. Lutava por seus ideais até o ponto que podia, não importando se aquilo fosse partir seu coração como uma taça de cristal que cai ao chão. A batalha de Ulisses maior sempre foi a interna.

Ulisses foi ser estudante de direito. Era apaixonado pelas leis e por como poderia ser disciplinada uma conduta social através de um sentido de justiça que... Que peca em muito do nosso ordenamento jurídico brasileiro atual. Chateou-se em demasia com a faciliade que o Direito Penal proporciona ao meliante que deseja continuar na sua conduta anti-social. Estudava com afinco para ter um futuro digno e era só o que desejava para o seu momento.

Porém, como toda história épica, conheceu uma pequena moça na internet. Pequena de tamanho, porém enorme no seu conteúdo. Era de uma cidade tão, tão distante; lembrava a descrição perfeita do Amor Platônico, algo que ficava situado no Mundo das Idéias e era tão difícil de alcançar. Conversaram por minutos que se transformaram em horas. Estas horas viraram dias, dias até o dia do fatídico encontro que foi selado pelos Deuses do Destino e do Amor. Ele havia abençoado aquele casal, através de seu comandado, o Cupido.

Encontraram-se e apaixonaram-se um pelo outro. A distância era um fator extremamente complicador, mas ambos estavam dispostos a fazer de tudo para que pudessem ficar juntos. Não procuravam se cobrar nada sobre os encontros, apenas frustavam-se muito ao combinarem e não poderem verdadeiramente efetivarem aquela história de amor a ter mais um capítulo escrito. Ulisses buscava minimizar a dor de Jurema, falando que era apenas contingencial. Tinha um largo sorriso na fala e conseguia exprimir tão bem suas palavras que até mesmo ele acreditava naquilo. E o mais importante: ela acreditava.

Após desligar o telefone, Ulisses já começava a sentir os sintomas típicos da SAJ (Síndrome da Abstinência de Jurema): se entregou a dor mais profunda e lancinante que pode haver para qualquer pessoa. Sentiu-se solitário no seu apartamento, no seu quarto de apartamento, vendo pela janela as pessoas andarem na rua. Via um casal jovem passeando com sua filha pequena, sorrindo. O sol iluminava aquela cena e percebia carros passando na rua. Visualizava que havia alguém só também na rua e sentiu um alívio por não ser o único que estava subjugado a... Não, ele notou que encontrou o que parece ser sua namorada. Doía-lhe.


Doía-lhe o fato de não saber mais do que se tratava, na verdade. Vejam, a dor já estava há tanto tempo e de uma maneira que tanto o consumia que nem ele mais sabia quando ela começou. Não sabia se foi na ida, na volta ou no meio do caminho. Tinha a certeza de que ela já existia e já estava lá, pesando no seu coração como o fiel da balança de um voto, como se a própria Atena pendesse a balança para um lado. E Ela o pendia para o seu lado humano.

Doía ser humano. O processo é que é interessante, pensava ele: estamos sendo humano cada dia das nossas vidas, mesmo quando negamos o que de humano há em nós. Quando nos tornamos animais irascíveis, cheios de raiva, estamos sendo humanos. A raiva é uma outra faceta da paixão. Aliás, para os gregos a paixão era uma doença: pathos é doença, por isto a medicina chama o estudo delas de Patologia (não é a ciência dos patos).

Alegrou-se momentaneamente. O seu bom humor, embora não tenha sido a melhor piada, pensou, havia voltado. Comeu algo, pois podia ser fome. Era fome, mas não a fome de comida. Era a fome de afeto, a fome que a própria solidão gerava, que ficava tilintando na sua cabeça dia e noite, de uma maneira tão incansável que faria esmorecer qualquer tipo de resistência física, como o muro mais forte do castelo mais bem projetado.

Sentou, quase chorou. Quase chorou pela oportunidade que hoje lhe foi vilipendiada de ter Jurema do seu lado. Entristeceu-se por não ter ao seu lado aquela que gostaria de estar, mas estava também impossibilitada. Amaldiçoou, por um segundo apenas, a impossibilidade daquele casal. Escurtou, ao longe, uma risada de algum ser onírico que se divertia com aquilo. Respirou, passou a mão no cabelo e suspirou, quase que buscando de volta a pouca razão que tinha e que já tinha perdido.

Parou. Visualizou o cartão vermelho que que tinha recebido de sua amada. Um sinal dos Deuses, talvez? Pegou-o e o abriu. Leu, releu... Sentiu o cheiro do cartão, com o doce perfume imaginário que ele deveria ter, porém que havia se esgotado. Passou ele no seu rosto como se quisesse passar o seu rosto no de Jurema, acarinhando-a tenramente como fazia, quase como se fosse um gato se roçando no sofá de uma sala de estar.

Tocou-o, buscando sentir sua pele sedosa e perfeita, como se fosse um pequeno pêssego. Colocou-o junto do seu coração porque é onde ele queria que o coração da sua adorável Vênus estivesse, junto do seu. Andou pela casa com ele, como se quisesse apresentar um futuro lar para Jurema, numa vã esperança de que ela poderia tocar aquela campainha e dizer que tudo não passava de uma pegadinha. Parou em frente a porta e fez que não com a cabeça, abaixando-a. Sentiu algo no peito... Vazio. Parou de doer, quase.

Estranho... Sentiu uma sensação boa na boca. Era o gosto de sua pequena flor do campo que vinha até ele. Saboreou cada micro-segundo desta pequena dádiva que Deus tinha lhe concedido através do seu Centro Límbico. Após isto, realmente parou de doer. Lembrou-se de seus dias juntos, seus jantares, seus cafés-da-manhã, suas loucuras de amantes completamente desinibidos e entregues um a luxúria do outro, como se fossem - e são até hoje -  um brinquedo de prazer um do outro, para que possam ser explorados de uma maneira tão devassa e inapropriada que só poderia ser justificada por uma palavra: Amor.

Ulisses abriu um sorriso largo. Tinha passado por todos os tipo de sensações do maravilhoso Amor que viviam. Tinha se desesperado, tinha quase vertido lágrimas... E acabou como acabam todos os amantes esperançosos e conscientes do que o que possuía era raro: uma mulher de enorme beleza e sedução, com inteligência e perspicácia ímpares, capaz de dobrar o coração de reis e ter em suas mãos os mais poderosos deuses como uma marionete de sua vontade. E, mesmo assim, ela o tinha escolhido. Agradeceu aos Deuses com um sorriso e pensou-lhe em escrever algo que pudesse dizer tudo o que havia sentido e tudo o que poderia honrar, de uma maneira nobre e cavalheiresca, tudo o que sentia por sua amada.

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