quarta-feira, 12 de maio de 2010

Lucrécio e Joanna

Lucrécio era uma pessoa boa, porém impulsivo e irascível com o que considerava um erro de uma outra pessoa. Podemos até usar as suas palavras para definirmos melhor o seu comportamento: "Eu apenas não tolero excesso de estupidez. Para mim, quem é burro pede a Deus que o mate, o Diabo que o carregue e que arrume um trouxa para cuidar do corpo.".


Isso gerava problemas com sua família, vivia trocando de namoradas (por vezes duas ou mais ao mesmo tempo) e até mesmo de amigos. O único bom amigo que conservou era Henriqueto, seu conselheiro para as situações mais adversas. Não que o ouvisse muito, apenas gostava de conversar com ele sobre o que lhe acontecia. Como um bom amigo, Henriqueto não concordava com suas atitudes intempestivas. Como um bom amigo, Henriqueto também aguardava o retorno do seu irmão ferido do combate da vida para poder lhe tratar.

Em uma destas segundas-feiras, em que não esperamos que nada de anormal vá acontecer, Lucrécio pára em um banca de jornal para adquirir um. Ao pagar, escuta uma voz feminina perguntando onde era o ponto de ônibus mais próximo para se dirigir a um outro município. Ele, de um jeito até simpático, sem dar muita bola, explicou de costas o caminho. A voz feminina agradeceu e encostou a mão em seu ombro.

Ele, num rápido reflexo para certamente dizer algum impropério, parou ao ver aquela mulher de olhos negros e pele branca. Perdeu o fôlego, por um momento, e se propôs a levá-la até o seu destino para aguardar a sua condução. Conversando, no meio do caminho, descobriu que era uma arquiteta recém-formada e que estava indo procurar um emprego em um escritório em franca expansão.

Ela, toda sorridente, perguntou o que ele fazia. Disse apenas que era funcionário público, omitindo o fato de ser um policial. Achava-a ingênua e sonhadora, pensou ele, lembrando que um dia, ao prestar concurso público, também tinha um pouco daquela esperança no futuro que a jovem demonstrava. Perguntou-lhe seu nome. Ela disse:

-"Joanna, prazer. E você?"

-"Lucrécio. Prazer."

-"Olha, eu achei você muito simpático, viu?"

-"Eu também. Pena que vamos perder o contato, né?"

Ela, meio que tímida, estendeu-lhe o seu cartão. Dizia: "Joanna Alencar, Arquiteta". Continha o telefone dela e o e-mail. Nisto, percebeu a aproxomação do seu ônibus e fez-lhe sinal. Despediu-se de Lucrécio dizendo que ia esperar uma ligação dele, embora não tivesse sentido um certo interesse de sua parte. Disse isto sorrindo, daqueles sorrisos marotos femininos que fazem cair por terra qualquer defesa masculina.

Lucrécio esperou três dias, algumas incursões policiais a serem realizadas. Estava já enojado daquele serviço, desejoso de algo diferente. Teria o final de semana de folga e resolveu ligar para a arquiteta. Conversaram alguns bons vinte minutos antes de marcarem algo. Lucrécio sugeriu um restaurante no meio do caminho dos bairros onde moravam, o que agradou bastante Joanna. Com sua habilitação para dirigir recente, não gostava de percorrer longas jornadas - não comentou sobre isto, é claro.

No dia, ele estava até apresentável. A barba estava por fazer, mas não cheia, apenas para dar aquele charme. Camisa social azul, calça jeans escura e tênis também azul. Usava um perfume com um cheiro amadeirado, com toques de limão. Gostava de perfumes ácidos. Ao chegar na entrada do restaurante, percebeu que Joanna já estava lá. Aproximou-se devagar, admirando aquela bela mulher e seu vestuário.

Joanna virou-se ao perceber sua aproximação. Usava uma blusa lilás, com uma calça jeans cheia de detalhes e um pouco de brilho, e um sapato de salto alto de bico fino na cor de um lilás mais denso, para combinar com a bolsinha de mão que portava. Percebeu que suas unhas eram vermelhas vivas, assim como o batom de sua boca. Alguns retoques de lápis de olho destacavam ainda mais suas duas órbitas, tudo complementando com os cílios um pouco alongados.

Beijaram-se no rosto e ele a conduziu para dentro. Falaram de coisas amenas, enquanto comiam um prato de salada primavera com carne vermelha (a dele mal passada e a dela ao ponto) e suco natural de abacaxi. Após a refeição e uma certa briga por quem iria pagar a conta - Lucrécio queria pagar toda e Joanna o "ameaçou" de não mais sair com ele se não fosse divida - ele acabou cedendo.

Após a saída do restaurante, ficaram um olhando com cara do outro como a criança que deseja demais o presente de aniversário e tem vergonha, pelo menos inicialmente, de pedir para a mãe que o compre. Lucrécio tomou a iniciativa e pegou na mão de Joanna. Sentiu que ela acariciou seus dedos de leve e resolveu também tentar o beijo. Seus lábios se tocaram de um jeito leve, inicialmente, sondando como seria aquela pequena intimidade. Roçaram os lábios uns nos outros, de leve.

Mas depois deste reconhecimento, o que se percebia era a paixão de um pelo outro. Suas línguas se entrelaçaram e começaram a bailar. Quando um recuava, o outro imediatamente avançava, buscando ampliar aquelas sensações todas que vinham à tona. Seus corpos estavam unidos, sendo tocados nas costas pelas mãos um do outro, terminando este primeiro longo beijo com um carinho no rosto por parte de ambos. Ao abrir os olhos, Lucrécio observou Joanna sorrir como uma adolescente. Isto o comoveu.

Passearam pela praia de mãos dadas, trocaram beijos e carícias naquela noite. Lucrécio chegou em casa tarde, desistindo até do convite de colegas da profissão para uma festa que aconteceria em um sítio de um deles. Resolveu apenas tomar um banho e se deitar, procurando entender como tudo aquilo poderia ter acontecido naquela semana. Ao sair do banho, viu que tinha uma mensagem em seu celular. Dizia: "Obrigada pela noite. Beijos". Ele sorriu de canto de boca, com um típico orgulho masculino de ser um macho alfa.

No dia seguinte, foi almoçar com seu melhor amigo. Henriqueto o tentava convencer a prestar um novo concurso público e a retomar a faculdade de direito. Lucrécio sabia que este seria o tema central da conversa, já indo para o local com seu mecanismo de defesa ativado. Chegando lá, porém, esta não foi a tônica da conversa. Henriqueto percebeu que seu amigo estava diferente e conversaram sobre isto. Lucrécio demorou a admitir, mas deu o braço a torcer e falou sobre Joanna e como aquela jovem era sonhadora, engraçada e linda.

Henriqueto escutou a tudo atentamente, esperando Lucrécio acabar de divagar sobre Joanna. Após isto, conversou com ele sobre como a vida nos mostra opções diferentes do que podemos e do que queremos fazer. Perguntou há quanto tempo Lucrécio não se sentia assim por alguém e se não era este o momento de fazer uma mudança em sua vida. Lucrécio, porém, não usou de sua habitual impulsividade. Apenas falou que seria um caso a se pensar. Henriqueto sorriu; não esperava que o amigo fosse concordar assim.

Encerraram o almoço e Lucrécio sentiu vontade de ligar para Joanna. Não sabia exatamente no que daria aquela ligação e se aquela não seria apenas mais uma das muitas mulheres que ficaram na sua história. Parou, retirou o celular do bolso e o colocou de volta. Nunca havia exitado antes, sempre soube exatamente o que fazer; mas daquela vez, tinha algo diferente, algo novo. Resolveu fazer o que seu amigo lhe aconselhou, resolveu arriscar. Retirou o celular e ligou para ela.

Encontraram-se naquela noite e amaram-se. Fizeram isto quase todos os dias daquela semana. O sentimento de um pelo outro crescia junto com a paixão, mas não era só: começavam a limpar um canteiro obscuro de seus corações e a criar bases sólidas para uma relação de companheirismo. Assim como ela o aplaudiu por ter voltado para a faculdade, ele a aplaudiu quando ela foi fazer mestrado. Percebiam que o que tinham era algo de precioso, algo raro em um mundo tão cinza.

Lucrécio decidiu não ter mais um mundo cinza. Ao se formar após um ano, prestou concurso público e foi alocado em uma área da Administração Pública onde não usasse mais armas. Desistiu de precisar delas para combater na vida. Joanna, com seu sentimento sonhador e suas palavras doces, conseguia aos poucos derreter todo o gelo e o amargo de seu coração. Sua batalha agora seria outra, seria a de lutar por uma vida a dois digna.

A sua raiva de suas frustrações foram apaziguadas por alguém que o fez querer ser um homem melhor. Foi isto o que disse a ela em um jantar para comemarem seu ingresso na sua mais nova área de trabalho. Nesta noite, tivemos duas pequenas surpresas. A primeira era a de que ele pediu a sua mão, com um lindo anel de ouro e uma pedra de rubi, delicado e sutil, como ele buscava tanto ser com ela.

A segunda é que não mais seriam só os dois: Joanna estava gestante. Neste mesmo momento, Lucrécio enchou os olhos de lágrimas, levantou-se, ajoelhou-se e beijou a barriga de sua amada. Pegou em sua mão e lhe agradeceu por tudo o que ela representava em sua vida. Joanna sorriu, o chamou de bobo e o beijou. Disse-lhe que Deus sempre nos dá uma oportunidade na vida de fazermos algo bom para nós, é só prestarmos bastante atenção. Tinha percebido que sua mudança havia começado naquela banca de jornal, ao não ter cruzado a linha do razoável... E desde aquele momento, já era tocado pela presença de Joanna, mesmo que não soubesse quem ela se tornaria na sua vida.

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