sábado, 10 de abril de 2010

O xadrez

João Pedro era um exímio jogador de Xadrez. Tinha derrotado quase todos os grandes nos circuitos nacionais, mas mesmo assim nunca conseguia prosseguir adiante daquilo que fazia e fazia muito bem. Ele tinha um grave problema: nunca sacrificava seus peões. Ele tinha uma predileção especial por estas peças do tabuleiro. Talvez algum Complexo de Édipo mal-resolvido com sua genitora, Dona Berenice, João Pedro sequer conseguia colocar uma peça desta a perder.

Ele demorava horas no seu jogo, sem nunca conseguir arriscar algo novo. Ele simplesmente fazia o seu mesmo jogo de sempre e conseguia, com ele, manter a segurança necessária para o prosseguimento de seu pequeno jogo lucrativo. Tinha alcançado altas cifras, principalmente as ligadas a um planejamento estratégico, dizia ele, calgados em passos seguros e sólidos.

Era infeliz, na maior parte do tempo. Nunca buscava realizar algo novo em sua vida e nunca buscava inovar. Vivia sempre no marasmo do seu cotidiano. Era mais seguro ser infeliz do que arriscar um lance novo no jogo e acabar a partida antes de suas quatro horas habituais. João Pedro tinha medo do futuro e, enquanto pudesse, jamais prosseguiria com um passo novo. Seria a eterna lagarta presa no casulo, sempre a um passo de desabrochar para o mundo, mesmo que fosse por vinte e quatro.

Porém, a vida, tão diletante vida, ela nos atropela por vezes como um caminhão. Enquanto João Pedro desafia um jovem e novo adversário (aproximadamente cinco anos e meio mais novo do que ele) jogava seu mesmo jogo. Porém, aquele adversário nanico, de óculos e cabelos cerrados megros lhe encafifava. Ele o desafiava de uma tal maneira ilógica e irracional que ele jamais conseguiria explicar em termos quantitativos racionais.

Seu adversário sempre dizia: "A vida, por vezes nos atropela feito um trem... E devemos saber lidar com o que acontece após isto. Devemos saber aproveitar a viagem". Viagem, trem, tudo... Tudo aquilo parecia impreciso para João Pedro. Para ele, a vida não era feita de sacrifícios. A vida era algo seguro e quantitativo lógico-matemático, algo mensurável, palpável... Algo que nunca deixaria sua zona de confiança, sua zona de conforto. João Pedro nunca arriscaria.

Porém, viu uma oportunidade de acabar de vez com aquele duelo daquela pessoa metida e diletante, daquele ser repugnante por falar tantas verdades, daquele pequeno sapo que nunca seria um príncipe de conto de fadas... E João Pedro tomou-lhe a Rainha. Seu adversário, ao invés de ficar aturdido, simplesmente sorriu a jogada de João Pedro. João não tinha entendido o que tinha acontecido, até o próximo lance.

Seu adversário sacrificara um peão, daqueles que João nunca faria. João o tomou com seu bispo, com uma facilidade inacreditável. Foi quando abriu-se uma avalanche no tabuleiro. Com três jogadas, seu adversário tinha feito duas rainhas. Duas. João não entendera e perdeu o jogo naquele dia. Ficou dias pensando sobre aquele assunto, sobre como alguém poderia ter derrotado sua técnica tão racional.

Seu adversário lhe respondeu: "Não se preocupe... Depois de ter tomado o gosto da liberdade e do risco por ter tido seus lances no tabuleiros, suas jogadas diferentes... Nada mais será o mesmo. Tudo será modificado, seus valores serão tocados de maneira tão interna que irão se revirar pelo avesso. Não só no jogo, mas em toda a sua vida. Teve uma oportunidade única de ter jogado desta maneira. Aproveite."

João pode não ter entendido todas as frases exatas, todos os gestos e nuances... O vinho doce, porém temperado com o doce amargo da derrota, o fizera refletir sobre tudo aquilo que tinha acontecido. Percebera que não poderia ter metade de uma coisa, muito embora uma metade lhe trouxesse a mera satisfação de ter algo para guardar. João deveria arriscar o tudo ou nada, sabendo que poderia ser feliz ou não. Mas sabendo, fundamentalmente, que poderia se tornar melhor depois daquilo.

Se João e o novo jogador se tornaram amigos e confidentes, ninguém sabe. Apenas sabe-se que João tem refletido muito no que significou aquels poucos lances naquele intrigante e inusitado tabuleiro, que trouxeram tamanha surpresa a João que não podia ser medida com nenhum tipo de calculadora ou trena humana... Poderia apenas ser sentida. E como sentida e doída era a derrota, mas como a possibilidade de uma nova vitória sobre o mesmo desafiante lhe traziam (?) uma certa coragem (????) para poder concluir (??????) a jornada?

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