domingo, 7 de março de 2010

Contexto Histórico

Guilhermino era um cidadão pacato. Formado em Arquivologia, tinha seus quase 30 anos. Cultivava sua baixa auto-estima por si com uma dose peculiar de gastrite nervosa. Esta era causada pela sua extrema incapacidade para realizar qualquer tipo de relacionamento interpessoal. Poderíamos até mesmo dizer que ele teria nascido de uma chocadeira, pela sua habitual maneira de não exercer sua função socializante. Ele achava melhor ficar com pastas, arquivos, papéis e ácaros.


Trabalhava em uma empresa privada, terceirizada por um contrato super-faturado junto ao governo local para digitar e digitalizar documentos históricos. Poderia ser feito por qualquer um que tivesse segundo grau, mas Guilhermino achava que seria uma grande oportunidade profissional. Trazia um sonho consigo: um parente de seu tataravô participara da Inconfidência Mineira. E, naquela firma, seria a sua meca, a sua seara para um empreendimento pessoal ousado: procurar o parente para poder ter algum tipo de colóquio com uma pessoa do sexo oposto ao dele, não dos ácaros.

Mas, neste dia fatídico, surgiriam duas surpresas inesperadas. A primeira delas, a de que o seu companheiro relapso, chamado Peixoto, conseguia uma promoção. A promoção tanto desejada por Guilhermino. Mesmo chegando atrasado no escritório, saindo cedo, nunca cumprindo suas tarefas, ele conseguiu a promoção de chefiar os arquivos mineiros. Corriam boatos (e até estes Guilhermino soube) de que Peixoto teria um relacionamento extra-conjugal com a mulher de seu chefe. Como Peixoto a fazia feliz, parece que houve um consentimento tácito de que o chefe também deveria deixá-lo feliz.

Guilhermino ficou pasmo com tal situação. Sentiu, pela primeira vez em toda a sua vida, raiva de alguém. Nem no colégio quando furtavam seu lanche, nem as chacotas de seus amigos por usar um óculos que mais parecia uma lente de aumento, nem as apostas das meninas bonitas para ver qual o ridicularizava mais e melhor (tinham até uma ficha para anotarem)... Nada destas situações o deixava chateado... Mas isto...

Ele se imaginou com uma faixa vermelha na cabeça, entrando no escritório, como se fosse Rambo. Puxava uma arma e metralhava todos. Sentiu-se imediatamente culpado após esta idéia. Pensou em falar com seu chefe para que pudesse ser promovido, ao menos transferido para a parte mineira. Se imaginou elegante, com um terno bonito, falando empolado para que pudesse fazer uma comoção no seu chefe.

Mas... Não era o seu estilo. Era mais fácil que ele se debulhasse em lágrimas em frente ao chefe, implorando para que pudesse participar daquilo... Imaginou-se até negociando com o chefe para poder pagar isso com ele fazendo a felicidade da mulher dele.

Nada adiantaria, seria tudo em vão. Conhecia seu chefe, um sujeitinho asqueroso e detestável. Resolveu, então, tomar uma atitude honrado e corajosa: pedir demissão. Iria para o Nordeste, trabalhar em um quiosque e viraria um surfista internacional.

Sabia disto, ou de algo parecido. Decidiu se levantar e ir em direção da sala do chefe. Engoliu a seco, por sua mão escorria uma leve sudorese. Começou a caminhar em direção a sala do chefe. Ele bateu à porta, aguardou e entrou. Seu chefe estava lendo o jornal e fez com a mão para que ele entrasse. Sentou-se na cadeira.

Silêncio.

Guilhermino tinha aberto a boca para começar a falar, quando toca o telefone. Seu chefe atende.

-"Sim... Sim... Mesmo? Que triste." - desliga o telefone - "Olha, o Peixoto foi comemorar a sua promoção almoçando sardinha. Morreu entalado com a espinha na garganta... Bom, nunca gostei dele. Ele era um sujeitinho asqueroso e detestável. Ah... Pode ficar com a promoção dele, viu?"

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