sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Maurílio

Maurílio era um cara sagaz. Tinha somente um problema: a sua eterna inconstância. Tentara duas universidades diferentes: economia e física. Não se formara em nenhuma delas. Sua vida de inconstância o impedia de continuar relacionamentos amorosos e compromissos de longo prazo. Nunca comprava nada em carnês, pois isto já era uma forma de compromisso. Juntava dinheiro à moda antiga: para comprar algo de grande valor, juntava as notas debaixo do colchão da sua cama.


Já havia feito de quase tudo na vida, como a música do Zeca Pagodinho. Guia de turismo, vendedor, motorista, atendente, etc. O que durou mais tempo foi quando trabalho em uma grande loja de roupas sociais. Chegou a ser gerente em curtíssimo tempo, mas um problema de tendinite crônica o havia inabilitado. Apos o período legal, foi demitido. De várias conversas que tinha com seus genitores sobre a sua inconstância, ele resolvera apenas aceitar o seu momento.

Alguns momentos de sua vida, chegou a cogitar a hipótese de fazer terapia. Frequentou algumas sessões de terapia freudiana, mas como a sua inconstância o acompanhava sempre... Em três meses se deu alta. Algo que aprendeu foi aprender a ter alguma constância. Time, por exemplo, era flamenguista convicto. Uma das suas poucas constâncias. Poderia ser associado com sua fixação por adrenalina de trocar sempre por algo a sensação de que o rubro-negro sempre dá a percepção de que deve ser sofrido para conseguir algo.

Dia desses, encontrou-se com alguns amigos de colégio em um bar do subúrbio. Conversaram muito e beberam mais ainda. Tanto que nem se lembrava de nada, nem como chegou até em casa. Quando acordou de ressaca, com uma azia tamanha e de gosto azedo na boca, resolveu ir até a farmácia comprar um remédio para a tamanha quantidade de bebida alcoólica ingerida. Pensava até se teria tanto na farmácia para lhe fazer algum efeito que fosse. O seu fígado, revoltado, quase pediu demissão.

Ao chegar na farmácia e abrir a carteira, viu que somente tinha cinco reais e um bilhete de loteria esportiva. Maurílio achava aquilo estranho porque nunca apostou nunca em sua vida em nenhum tipo de jogo. Comprou o remédio e o sorveu. Resolveu passar na padaria para comer algo. No meio do caminho, encontrou uma casa lotérica. Por mera curiosidade mórbida, resolveu entrar.

Viu que o troco da farmácia tinha sido exatamente a quantidade de dinheiro para comprar o seu volante. Comprou. Não que acreditasse nisso, nem nada. Seguiu até a padaria do seu Manuel e comeu seu pão com mortadela e refrigerante na famosa pendura. Foi para casa tomar um banho. Deitou em sua cama e adormeceu. Acordou à noite, com um telefone de uma ex-namorada. Cecília era o nome dela. Ele sempre adorou o som que o nome dela fazia na boca, ao estalar a língua. Marcaram um encontro em um bar no meio do caminho das duas casas.

Cecília tinha abandonado Maurílio quando ele largou a primeira faculdade. Eram amigos de infância e estudaram no mesmo colégio. Não que Maurílio confessasse, mas aquela bela mulher branca de olhos castanhos claros mexia com o seu coração. Não que fosse de amores de fotonovelas, nem nada. Apenas atração.

Conversaram durante a noite toda. Ela explicou que o largara por um executivo de uma grande empresa, mas que havia se separado porque o relacionamento deles ficou tão burocrático quanto um processo licitatório. Conversaram. Riram.Beberam. Amaram-se durante horas na casa de Cecília.

Ao ir comprar o pão para o café-da-manhã na casa de Cecília, viu no jornal do vizinho que saíra a bolada acumulado da loteria. Ele tinha vencido. Foi para casa, aturdido. Desligou os telefones. Ficou em casa todo aquele domingo. No dia seguinte, retirou seu prêmio. Havia ali dinheiro para a vida toda, para nunca mais precisar trabalhar e continuar a sua vida fazendo o que sempre quis: a eterna inconstância de passear por onde quisesse. E tomou uma atitude.

Casou-se na Igreja com Cecília, alguns meses depois. Compraram uma bela casa. Ele montou o grande sonho de Cecília: uma fábrica de roupas, uma enorme confecção. Tornou-se pai de um filho e uma filha linda. E viajavam, duas vezes por ano.

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