segunda-feira, 23 de novembro de 2009

José - Funcionário Público

José era um homem pacto. Mais do que pacto, poderíamos definir José como um homem que não reagia a nada, nem a ninguém. Talvez seu único lampejo de proatividade na vida tenha sido passar para um concurso público de segundo grau e passou a trabalhar em um tribunal. Acomodou-se neste emprego. Nunca fizera nada mais para progredir, exceto aprender a sua função.


Sua rotina de acordar, comer o mesmo café-da-manhã na mesma bancada da cozinha, colocar as mesmas roupas das mesmas cores por dias da semana, almoçar no mesmo lugar e voltar para casa sempre na mesma hora. Jantar sempre na mesma hora, vendo tevê em seu quarto. Para não falar que ele não era um piadista (se é que pode ser chamado assim) fazia a mesma piada com a moça do caixa do almoço: - “Quanto você está me devendo?”.

Em um destes dias de semana, recebeu um cartão que dizia: “Quer mudar a sua vida? Quer deixar de ser um Zé Ninguém? Ligue!” Não tinha telefone. José achou uma péssima piada e colocou o cartão em cima da sua cabeceira. Alguns dias depois, recebeu um outro, que dizia: “Por que não me ligou, Zé?” Quase se aproximou do telefone. Mas não. Sua rotina continuava a mesma quando recebeu um outro. Este era diferente dos demais.

Era todo preto, com letras brancas, ao contrário dos outros. Ele dizia: “Zé, pode ser a chance da sua vida...” José nunca apostara em nada, resolveu apostar nesse cartão. Só Deus sabe o porquê dele, desta feita, pegou o cartão e se aproximou do telefone. Quando o retirou do gancho, uma nuvem cinza cobriu sua casa e uma figura de manto preto apareceu. Sim, se pensam que a mesma estava com uma foice, podem ter certeza disso.

José ficou pálido. Tentou gritar, porém sem efeito. A Morte levantou sua mão como que para ele parasse, e ele parou. Ela sentou em um banquinho da cozinha e lhe pediu água. Sem muito o que entender, José lhe deu e sentou ao lado dela. Após beber a água, a Morte devolveu o copo a José. Ajeitou o seu capuz, apoiou a foice em um armário da cozinha e começou a conversar com José.

Tinha uma proposta a lhe oferecer. A Morte queria tirar férias, estava cansada desse negócio de ceifar vidas. A Terra estava matando muito e ele trabalhava mais do que a Morte em outros planetas (A Morte explicou para José que preferia o termo C.A.T [Coletor de Almas da Terra]). Conversou com José para que ele aceitasse por um tempo – algo em torno de dez anos – o serviço dele. A Morte, perdão o C.A.T tinha se apaixonado por uma C.A. de uma galáxia vizinha e, após longo namoro virtual pelo MSN espiritual (com algumas quedas de conexão, mesmo sendo internet 3G), decidiram se conhecer pessoalmente.

O C.A.T ofereceu a José três prêmios que ele poderia escolher: uma esposa, mas continuar com o mesmo emprego; ser milionário e não ter esposa ou um prêmio surpresa. José indagou quando poderia dar a resposta e o C.A.T disse que teria que ser naquela hora. José resmungou, resmungou... Pensou. Deu uma última olhada no seu apartamento e suspirou. Olhou para o C.A.T. e aceitou a proposta.

Dez anos se passaram. O C.A.T volta. Dissse a José para nunca confiar em fotos de MSN, mas que tinha valido a pena porque o sexo era bom. Mas descobriu que ela era casado com um anjo torto e quase tinha dado briga. José agradeceu o trabalho dado pelo C.A.T e o chamou assim. O C.A.T falou que poderia ser chamado de amigo, já que o escolhera entre tantos outros na Terra.

José se emocionou. Nunca tinha tido um amigo. Sentiu um gosto na boca e lembrou de sua infância. Agradeceu demais ao seu mais novo amigo. Ele o abraçou e chorava. Soluçava por ter podido ter tido um amigo. Lembrou que raramente tinha companhia pra conversar e ficou muito feliz. Sua vida solitária, seu trabalho enfadonho e de tudo o que ele suportava, o que mais lhe pesava era a solidão. Seu coração ficou sobressaltado.

Ficou tão emocionado que sua respiração encurtou muito. O amigo pedia para ele se controla, mas José estava em êxtase. Gritava e chorava demais. Sentiu um aperto no coração. Cambaleou até o sofá da sala. Não sentia mais seu braço esquerdo. Estendeu a mão ao seu amigo, porém ele somente sorriu.

José compreendeu que tinha escolhido o prêmio secreto. Uma eterna amizade com alguém que lhe deu algo novo, algo que nenhuma mulher nem nenhum prêmio de loteria juntos poderiam lhe dar: uma verdadeira e eterna amizade. Neste momento, José sorriu. Ficou feliz por ter tido duas alegrias na vida: a primeira de ter sido promovido por seu merecimento como ser humano. A segunda, o falecimento de infarto fulminante de amizade.

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