sábado, 21 de novembro de 2009

Haroldices

Haroldo era um cara comum. Não conhecia muitas pessoas, nem queria. Seu mundo era perfeito, ou quase, do jeito que era. Haroldo gostava de cubos mágicos. Ele era completamente fascinado por eles. Tinha de todos os tipo, todas as marcas e todos os tamanhos. Em sua aflição, encomendou um enorme, em que cada lado tinha um metro. Óbvio que ele não consegue virá-lo. Resolveu, então, colocá-lo em seu jardim. Como se fosse um anão de jardim. Brincava ele que aquele era o seu pequeno anão de jardim.

Haroldo sempre foi fascinado por observações do cotidiano também. Gostava de contar quantos passos dava do seu quarto, até o banheiro, de volta para o quarto, até a cozinha e até a porta de casa, para ir na padaria comprar seu café-da-manhã. Ele gostava de cáculos e lógicas. Haroldo se tornou contador. Saía de casas poucas vezes: para ir a padaria todos os dias. Uma vez por semana ao psiquiatra. Uma vez no final de semana para comprar roupas na mesma loja. Uma vez por mês para comprar seu remédios psiquiátricos. Nunca se acostumou com terapia.

Foi a um existencialista, porém o achou vago demais. Humanista, mas ele se sentia mais à vontade com uma calculadora e uma tabela de Excel do que com um ser que respirasse. Foi para a freudiana, e todas as suas linhas: mas tinha um problema grave demais com a mãe e resolveu desistir. O terapeuta junguiano o lembrava uma historinha de contos de fadas e arquétipos. Resolveu fazer cognitivo-comportamental.... Também não deu certo.

Resolveu, então, aderir a teoria do cubinho. Comprou vários jarros. Sete, ao todo. E comprou vários cubos. As cores dos seus aborrecimentos variavam: verde para leves, amarelos para médios, vermelhos para graves. E comprou um preto. O preto era para o maior de todos. Um enorme. Para este, ele comprou o cubo preto de um metro cúbico, o suficiente para tapar o jarro. Etiquetou-os de segunda a domingo.

Fez um gráfico dos dias, semanas e do primeiro mês. Descobriu algo curioso: os verdes apareciam mais na segunda-feira, pois o pão sempre atrasava e o funcionário era lento. Na terça, apareceu um amarelo, por conta de uma grande empresa da qual era contador. Quarta tinha sempre um vermelho: o restaurante não fazia o seu prato de quarta-feira para entregar em casa. Quinta não tinha quase. Sexta, dois vermelhos: tinha problemas. Arrumava-se para sair de casa e depois se desarrumava por perder coragem. Sábado, eram dois amarelos: sua cor azul clara raramente tinha na sua loja preferida e o problema de achar vagas. Domingo, era o dia do preto. Almoçava com seus pais na casa deles.

Em um mês, resolveu reagir a tudo aquilo que o atormentava. Para resolver seus problemas de segunda, comprou vitaminas para o padeiro. Para terça, resolveu deixar a máquina de recados ligada. E contratou uma secretária só para as terças. Ela anotava os recados e passava para ele de modo suave. Sobre a quarta, mandou um memorando com as páginas e estatísticas para o dono, reclamando disso. O dono, então, mandou o cozinheiro fazer a sua muqueca de camarão com molho de manteiga só para ele. Afinal, ele sempre pedia comida nele. Na quinta, resolveu ser o dia internacional da leveza: comprava sempre meio litro de sorvete de ameixa.

Já na sexta... Tomava o dobro dos seus remédios às 22:00h. Assim, não se arrumava nem desarrumava. Sábado era um desafio, mas foi bem mais fácil. Ia e voltava de táxi. E achou um novo fornecedor de camisas para o dono da loja e pediu que mudassem de loja o funcionário que o atendiava, para que ao chegasse lá pudesse ser atendido por um senhor simpático que trabalhava lá (o dono da empresa só trocou o funcionário de horário... Mas ficou com o fornecedor novo, por ser mais barato).

E domingo? Como ele poderia resolver domingo? Se falasse que não ia, ele teria um problema com a mãe. Se inventasse qualquer desculpa, a mãe perceberia que ele estava mentindo. Não tinha tato nem tarimba social para enganar uma criança de três anos de idade. Ele esmorecia, torcia um pouco a boca para o lado esquerdo e suas duas sobrancelhas levantavam. Era ridículo. Parecia um palhaço depois de usar algum tipo de droga que deixava alguém chapado.

Foi aí que ele teve uma idéia genial. Ele contratou a secretária para fingir que era sua namorada. Para sua surpresa, a sua secretária aceitou. Ela tinha sido recomendada por um amigo que também tinha problemas. Ele havia falecido por um número excessivo de comprimidos tentado superar sua agorafobia. Depois deste detalhe, Haroldo resolveu trocar de lugar. O almoço seria em sua casa. Sua mãe reclamara com ele por telefone:

- Haroldinho, meu filhinho, sempre comemos aqui em casa.
- Mas mãe... É que eu queria apresentar uma...
A mãe o cortara asperamente.
- Não é uma dessas vagabundas da vida que querem desviar você do caminho de Nosso Senhor, certo? Ela NUNCA dormiu com você, não é?

A mãe de Haroldo, dona Eustáquia, era uma daquelas carolas de Igreja que se confessava dia sim e dia também. Haroldo tremia os lábios... Não sabia o que fazer. Foi aí que teve a maior surpresa de sua vida. Lúcia Helena, a secretária, perecebendo o seu exitar em falar com sua mãe, tomou o telefone de maneira célere de se umão e esbravejou:

- A senhora escute muito bem, eu não vou pemitir que a senhora se meta em meu relacionamento com seu filho. Eu sou atéia e pra mim Deus não vai me castigar por estar tendo relações sexuais com seu filho, este homem maravilhoso e másculo, esse deus grego espadaúdo e de lábios quentes e mãos...

Lúcia Helena não completou. A mãe dele havia desligado, apesar do tom sereno de sua voz e um gosto de cereja que saía de sua boca. Haroldo ficou transtornado. Pegou o cubo preto e colocou em cima de todos os outros coloridos dentro do dia de domingo. Ficara desesperado com o que acontecera. Atônito, ficou sentado na sala.

De repente, Lúcia Helena o surpreendeu e colocou a sua mão sobre a dele. Haroldo assustou-se. Fazia 15 anos, 11 meses e 10 dias que ninguém fazia isto com ele. Seu lábios trepidavam, suas mãos suavam e seu rosto estava tenso. Lúcia levantou a cabeça de Haroldo e lhe deu um beijo. Na boca. Estalinho. Ele levantou-se rapidamente. Aturdido, ele a afastou. Pegou todos os seus jarros e cubos. Corria com eles. Lúcia Helena se mostrava intrigada. Ele pediu para ela abrir a porta e ele abriu. Jogou todos eles no chão e pediu ajuda a Lúcia Helena. Rolaram o cubo enorme sobre tudo aquilo.

Nesta tarde, Haroldo perdeu a virgindade. Não seus comportamentos obssessivos-compulsivos, nem seu pouco (quase nenhum) tato social. Tornou-se um aprendiz de amante. Lúcia Helena ganhou um lar, um marido e largou sua carreira de prostituta. Dona Eustáquia passou a almoçar com seu filho em sua casa. Engolindo a péssima comida de Lúcia Helena, sua única nora. Em dias bons, Lúcia Helena comprava comida do restaurante preferido de Haroldo (ela só cozinhava aos domingos, em homenagem a dona Eustáquia. O pai de Haroldo, no entanto, encontrava-se com o filho sozinho para jogar bocha na praça perto da casa de Haroldo. Nunca mais ele fora a casa do filho.

Ah... E se se importou com o padeiro, ele morreu de infarto por causa das vitaminas. O dono da empresa que o atormenta às terças, casado e com três filhos separou-se de sua esposa para viver com um homem, pois Lúcia Helena não mais aceitava fazer serviços sexuais. E o senhor da loja, por causa do aumento das vendas por conta de Haroldo e de sua esposa, virou gerente. E o rapaz que atendia Haroldo, bom este continua na mesma... Em outra loja, como Haroldo sempre quis. E o pai de Haroldo... Bom, ele também teve que arrumar outra garota de programa.

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